Para a minha intervenção Hotel Esfinge, quis pensar o entorno da vitrine das ruas 7 de abril, Xavier de Toledo, Praça Dom José Gaspar e imediações, sob a luz da vivência dos poetas dos anos 1960-70: Roberto Piva e Claudio Willer.
Eles, poetas que viviam a cidade com especial engajamento, versejavam as esquinas, os bares, a noite, as estátuas, os meninos "anjos de Sodoma desgrenhados" com desejo e potência de vida (poesia experimental = vida experimental). Desenhei, assim, um percurso breve em torno da vitrine que fizesse aparecer aos transeuntes distraídos símbolos da cidade, muito significativos dentro da pesquisa e, sobretudo, em tempos turbulentos atuais: o leão apocalíptico de São Marcos e a estátua de Dante.
O primeiro por simbolizar um dos quatro animais alados apocalípticos cantado por Ezequiel e São João, e o segundo, pai da poesia Ocidental, cujo livro A Divina Comédia apresenta o trajeto do próprio Dante rumo ao Paraíso. Piva chega inclusive a associar suas experiências de saunas gays dos anos 1970-80 com o Inferno dantesco - resultando no excelente 20 Poemas com Brócolis, 1981.
Pois bem, o percurso que proponho ao expectador é percorrer esse entorno da vitrine do arte_passagem delimitado pelas ruas 7 de abril, rua Marconi e a rua Bráulio Gomes em uma espécie de vórtice simbólica. Não será preciso reconhecer as referências e as interferências da minha pesquisa no Piva e no Willer para sentir os símbolos. Eles estão lá, a cidade está lá, pulsante, poderosa e enigmática à espera da leitura de cada um, o que é preciso ter é a disponibilidade.
Vale ressaltar aqui também a descoberta de ontem à noite que me deixou feliz e assustado ao mesmo tempo: eis que reparo na capa da segunda edição de Piazzas, de Piva, publicada em 1980 pela Kairós, uma foto da mesma estátua de Dante a que me refiro, da qual me aproprio - a imagem superior central compõe um diagrama junto a outras imagens da cidade (Anhangabaú, Praça Buenos Aires, Sé).
Eu sabia que a Praça Dom José Gaspar aparecia em entrevistas e textos do Piva e do Willer, mas jamais havia visto uma menção fotográfica a ela e muito menos ao 'meu' Dante. Sinal de que estou no caminho certo. Mais um Acaso Objetivo bretoniano para a conta.
Matheus Chiaratti
01/10/2018