RAFAEL RG
LEONILSON
PERFORMANCE:
LUIZ VIOLA E
PAOLA RIBEIRO
14 de Janeiro de 2022 - 26 de Fevereiro de 2022
A Hora e a Vez de Dar Cor & Lugar Social ao Som
ANTONIO CARLOS ARAÚJO
É tempo de enegrecer! De afro-brazilian jazz. Afrocantos e afro-choros. Tudo que foi mestiçado, ocultando a negrura sob as asas cordiais da tal brasilidade, agora reclama sua ancestralidade. Contra-mestiçagem. Memória outra. História dos (que não se deram por) vencidos. Discursos, batuques, sopros e canções. Escuta vista de baixo. Turn upside down.
Os negros tocavam banjo... os negros sem nome tocavam banjo [...] a tríade branca em uma jazz band onde ninguém sabe dos negros que tocavam banjo. 1
É tempo de batucar na tecla, de cavucar na oralidade; farejar resquícios rítmicos, restos de melodia, partituras e fotografias. Hunting high and low.
É hora de ir de encontro às encruzilhadas do tempo; como a poeta, que em busca de si, percorreu a diáspora afro-indígena do sertão pernambucano e lá encontrou outro Brasil. Uma África fora da África, bailando de terno e gravata, solando entre o profano e o sagrado:
As mãos de minha mãe Hermínia e o som de suas teclas nem sempre afinadas foram minha primeira experiência com Deus.
É tempo de (re)lembrar os músicos barbeiros. Tempo de saber sobre Eduardo das Neves, Chiquinha Gonzaga, Anacleto de Medeiros, Francisco Braga. Modernos e tradicionais, eruditos e populares. Militares ou boêmios. Todos da cor da noite, filhos não só do açoite, mas também de outros fatores reais da nossa história.
É tempo de contra-atacar a história oficial, de olhar para o Nordeste, para o Maranhão. De conhecer a trajetória dos músicos negros de cá. De saber que enquanto o couro ‘panhava’ no Tambor de Crioula, Marcellino Maya (02/07/1867 - 07/05/1935), contrabaixista, violoncelista e compositor, se concentrava para mais uma apresentação no Teatro Arthur Azevedo. Pretos tinham de ser nota 11, 12..., bem o sabia Marcellino – entendimento repassado aos de sua cor, como o maestro Adhemar Corrêa (08/11/1896 - 03/06/1989), o famoso Homem dos Sete Instrumentos.
É tempo de falar sobre a Feminina Jazz Band do Maranhão, a primeira integrada só por mulheres negras. Invenção de Adhemar. De novo ele, Adhemar, o “Faz Tudo”: uma referência pro Victal Prudêncio Paiva (28/04/1902 - 24/06/1992), – baterista de uma das primeiras jazz-bands maranhenses, a Jazz Orchestra –, e pro Antonio Sales Sodré (11/01/1926 - 18/11/2005), multi-instrumentista integrante da Orquestra Jazz Maranhão. Todos conhecidos de mestre João Carlos Dias Nazareth (10/04/1911- 17/09/1986), regente da banda da Escola Técnica Federal do Maranhão; líder da Jazz Guarani, orquestra na qual sua filha, Alcione Dias Nazareth (21/11/1947), amante de Bumba-Meu-Boi e de jazz, se iniciou na música, desembainhando seu trompete.
É tempo de ouvir da boca da Marrom, a síntese musical do Atlântico Negro: “o samba é batucajé, um híbrido banto-nagô. Com a raiz em New Orleans, e tudo que a gente afrolatinou... Não tem estresse. Não envelhece. O samba é primo do jazz!”.
É tempo de matriarcado preto, de improviso e refazenda; de transformar piano em tambor como Tânia Maria Corrêa Reis (09/05/1948), pra gente cair junto nesse funky-funky-funky tamborim! UMBIRA-POPOROPÔ!
É hora de dar rosto e nome aos (black) boys; voz às griots, poder às queens and queers.
É tempo de decretar: morte ao som sem cor!
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1 Cida Pedrosa – Solo para Vialejo (Cepe, Recife, 2019).
Aderência
LEDA CATUNDA
Com o passar do tempo, parece cada vez mais importante reforçar o fato de que o aparecimento dos artistas da chamada “Geração 80” tenha acontecido no exato momento em que findava o pesado regime da ditadura militar, que perdurou por 20 longos anos no Brasil. O ano era 1984 e a explosão de energia que chacoalhou o então tímido circuito das artes plásticas pode ser igualmente sentida em todas as áreas da cultura: no teatro e no cinema, na literatura e, até pode-se dizer que de um modo especial, na música. Aconteciam muitos shows de novos grupos de artistas em casas noturnas, dizendo o que queriam para um público ávido pra escutar. E, dessa maneira, foi-se retomando o movimento nas ruas das cidades pela madrugada afora. O retorno da liberdade de expressão, o fim da censura e da repressão gerou na ocasião um clima verdadeiramente eufórico. Instituições, como museus e casas de cultura, lentamente retomaram o ritmo e por toda parte foram surgindo novos espaços e galerias de arte. Esse movimento foi algo que ocorreu de forma singular em quase todo o país, ocasionando a realização de muitas exposições coletivas, que geraram trocas intensamente positivas, fortalecendo sobremaneira o circuito como um todo.
Os adesivos, cartazes e fanzines que acompanhavam as exposições na época foram, a meu ver, uma clara herança da “mail art”, manifestação de caráter conceitual surgida no final dos anos 70, que consistia em utilizar a correspondência como meio de arte, onde as imagens e as mensagens eram adaptadas para tal formato e cujo alcance diferia muito do normal, na medida em que a “obra” seguia para alcançar seu observador-receptor na porta de casa.
Leonilson, que regressava de uma curta temporada em Madrid onde expôs com Luiz Zerbini na "Casa do Brasil", foi o primeiro a mostrar seus trabalhos em galerias em 1983 e depois em várias instituições. Ele tinha o contato de alguém que produzia adesivos e manteve a prática de lançá-los para divulgar as mostras das quais participava, entre elas a Bienal de Paris, que durou pouco, surgindo naquele momento para desaparecer logo depois. Assim, quando começamos a expor juntos, fomos fazendo alguns adesivos também, eu, o Sergio Romagnolo e o Ciro Cozzolino. Sempre criávamos e imprimíamos cartazes. Juntos, colávamos e distribuíamos além deles, essas imagens adesivas, coloridas por bares, restaurantes e lojas, como uma ação de ocupação dos espaços. Por ser um recurso gráfico de baixo custo, produzíamos um monte deles e os espalhávamos por toda parte a fim de exercermos nossa "liberdade de expressão". Outros artistas produziam também, além dos adesivos, outros objetos, como bottons e camisetas, trazendo para o bem comportado universo das artes um certo espírito de rock’n'roll.
A imprensa de modo geral embarcou na onda, e toda manifestação artística era festivamente comemorada com muitas matérias de capa e críticas de página inteira, repleta de fotos cultuando os personagens principais, em uma justa celebração da expansão da cultura do país, que viveu abafada por uma censura estúpida, castradora da verdade e de toda e qualquer expressão poética.
Leonilson, com seus desenhos feitos com gestos econômicos e precisos, sintetizava imagens como ninguém. Cheio de energia e plenamente consciente do papel que ocupava, criava os adesivos com rapidez e do mesmo modo idealizava os lindos cartazes para suas exposições, que eram disputados pelas pessoas que gostavam de pendurá-los direto na parede. Suas peças gráficas refletem a positividade daquela hora, das manifestações das "Diretas já" e da abertura de espaço para a arte brasileira noutras partes do mundo, reforçando pra nós todos um sentimento de pertencimento e a satisfação de ser artista e ser livre para desafiar os paradigmas já meio mofados do modernismo com vistas para o novo "novo" na iminência do desembocar do século 21.