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ANA MATHEUS ABBADE

AGRIPPINA R. MANHATTAN

SONIA ANDRADE

PERFORMANCE:

LADY INCENTIVO

26 de Novembro de 2021 -  10 de Janeiro de 2022

 

Pega Estrutura a nu: estratégias

ISMAR TIRELLI NETO

“A estrutura é sempre violenta”, formula Baudrillard em seu “O sistema dos objetos”. Para neutralizar o que possui de mais arraigadamente violento, a sociedade de consumo tomará sobre si os ilusionismos mais improváveis – mudar, diante de nossos olhos, aço em texturas as mais sedosas, as mais “conformes” aos contornos do indivíduo. Proveitoso seria, portanto, determo-nos um pouco nas estruturas violentas que são deflagradas quando a situação expositiva se desloca do terreno do museu ou da galeria para o específico de uma “vitrine”, quando o componente propriamente transacional da obra de arte é assim explicitado por tão drástico reposicionamento. Pelo menos dois repertórios de imagens são ativados quando evocamos a vitrine enquanto reguladora da interação sujeito-objeto: o primeiro (detença) nos firma diante de um “mostrador” do que não se tem, miragem imóvel sobre a qual recai uma matilha de olhares famintos. O segundo repertório (passagem), significa a vitrine citadina como parte da aflitiva polissemia da metrópole, como emissora imparável de mensagens e solicitações das quais o cidadão precisa se esquivar a todo o tempo em seus trânsitos e vaivéns mas da qual jamais se esquiva de todo, presença fantasmática que nos recorda passagem especialmente emblemática (e especialmente sinistra) do livro The Haunting of Hill House, da autora Shirley Jackson, em que certa personagem, descrevendo uma casa mal-assombrada, afirma: “Nada nesta casa se move até olharmos em outra direção, e só então fisga-se algo de canto de olho”. Ao fim do dia laboral, ao fim da cidade interminável, quantas destas promessas de gratificação instantaneamente negadas acumularam-se nos cantos dos olhos? que peso têm (terão) esses espectros?

Os trabalhos mais pioneiros de Sonia Andrade tratam igualmente das violências comunicacionais a que estamos desde há muito cotidianamente submetidos, tiranias de meio e mensagem que a artista explicita, desnaturaliza, põe a descoberto. Trata-se de estratégias interventivas no sentido de um desmonte daquilo que se pretende “ambiental e imperceptível”, palavras usadas por McLuhan ao descrever a televisão em “Os meios de comunicação como extensões do homem”. Intervir para denudar; envenenar a imagem para que a mesma pare de nos envenenar; desmascarar o espião que janta conosco. Lembremos aqui o título de uma de suas séries mais célebres, A morte do horror, datada do início dos anos 1980. Pensemos na terrível resistência deste morto que cresce, que nunca deixou de crescer, como numa peça de Ionesco, deste morto que é agora habitação.

Inscrevemos também neste tipo de prática que se opõe à “morte do horror” os trabalhos de Agrippina Manhattan e Ana Matheus Abbade aqui expostos. A violência direcionada ao corpo dissidente – mais uma vez, violência de estrutura, na estrutura – ganha ela própria corpo, formulação, é retirada ao âmbito dos fenômenos ambientais. Manhattan nos firma diante do contrário do texto, e portanto, no próprio ato da decodificação, da contemplação detida, tão contrária aos ritmos da cidade. Ato de revelação a que a situação-vitrina acrescenta uma dimensão de mordacidade inegável (“O consumo não é a paixão por substâncias, mas uma paixão pelo código”, Baudrillard novamente). Também o tecido de Abbade, o roxo “extraído” do bloqueador de testosterona e a presença das unhas nos colocam diante de nossa própria reatividade adormecida. Com as peças aqui dispostas, os procedimentos aqui delineados, o receptor é convidado a construir suas próprias armas. Mas, caso capturado, dificilmente conseguirá afastar a impressão – ela própria violentíssima – de um tecido a rasgar, uma mediação a “furar”, de um longo sono telado que é apenas a natureza-nome, a natureza como narcose e desmobilização.

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